quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

(...) que é o que há"


Encontrei um real motivo pra retomar a circulação desse corpo sem vida que escrevo de quando em quando. Por explodir e notar que apesar do não sucesso, escrever é a única forma invariável de notificar-se para si, de contar as histórias e ler, mesmo que seja o único leitor. Pra se sentir, melhor dizendo, para fazer-se sentir um tanto quanto melhor.
As idéias se desenvolveram como câncer mas foram abatidas pelo tempo e agora me restam as lembranças de horas, de poucas horas que pensei:

Quando ouvi a doce voz de minha tia, mulata, entoar um hino. Quando passeei pela tez doce com os lábios. Quando recebi convites e pendendo, hoje, em negá-los, por respeito, quase nego.
Quando um grande amigo vai e larga as frequências das notas circulando o ar verdadeiramente poético das tradições. Quando me senti amado, como sempre me sinto, ao lado da antítese de um casal da família. Quando fui agredido com o último dia, cinza, chuvoso, lastimável e cheio de saudades. Quando, num tempo contado, perco a razão de viver por não enxergar as preferências, não notar a secundária posição que vivo.

Daí então, o dado inverso desse tabuleiro conta os passos pra dentro da terra, como quando paramos de pensar por um segundo e ao voltar, há um monólogo triste num ponto de ônibus, no trem, na sacada enfunada de ferrugem ou em qualquer lugar que vê, de fora pra dentro, a real laguna ou, a real enchente de se perder no escuro.

"Enchente de medo(...)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Dá-lhe


Não é tão bom curtir a solidão com anticorpos. Mas ao menos eles não me deixam e nunca deixaram, mesmo nas pizzas velhas, salgados irreverentes e carnes putrefadas. Eles são meus verdadeiros amigos, ou mais que isso, eles são eu. Feitos por mim.

"e agora, nas chagas e sulcos pelas quais todos passamos um dia."

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Cordoalha

O cais perpetuou em mim os dias sem tuas carícias mesmo que sejam elas ainda vivas. O som solene das velas misturam o porto escuro da noite em que tua falta fere a ferro frio. Nem a lua me quis, mesmo próxima, mesmo no ponto em que ser linda não a basta, porque a minha beleza e saudade lhe pertencem como o barco ao mar ou a dor a falta.

Hoje te queria pois saudade dói
quando sentir dor só é bom havendo
os ecos de seus risos e a tônica dispersa.

dispersa nas águas do mar.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Body and ALMA


Eu já quis entender o céu, entender porque tudo cai na terra exceto as estrelas flamejantes que perambulam por aí. Queria entender tudo de lá que precise usar a ciência avançada, sem usá-la, porque a mesma é insensata. Sou contra a ciência das coisas, contra entender as reações, sou contra. Sou a favor de observar o céu e amar as estrelas, só amar.
Sou a favor do amor.

Sou a favor de sentar numa cadeira de praia -sem praia- a noite, com frio na ponta dos pés, dissertar com você nossa vida e mudar de assunto tantas vezes, me fazendo ser quem eu sou. Te expliquei as nuvens, me explicou as estrelas, te falei de Marte e usei minhas palavras tanto quanto você usou as suas. Marte nos trouxe tantas recordações, Marte é um expoente do nosso amor.
Com cores, formatos e sutileza variados, a noite passou e eu te conheci como da primeira vez. Só que dessa vez conheci seus sentimentos envoltos no passado.

Nossos sonhos São. -nosso Ser é próprio e nos substantiva- Ultrapassam os devaneios de ser. Pequenos tesouros cobertos de chocolate.

"Duas estrelas caindo, um aglomerado de estrelas piscando, sono sem vontade de dormir.
-Eu te amo, sabia? Boa noite."

E os cinemas que esquecemos de contar...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Biblioteca


Quando o lenço tocou a água, foi com impacto de bomba, as lágrimas do filho vazavam invisíveis pelos verdes imutáveis do mar e sua mulher esquecera no canto dos olhos vermelhos um tanto de umidade, quase uma gota formada. O navio se ia e junto do navio ia um pedaço dele, a parte que lhe fazia amar, amando mais que a guerra ama um ideal.
Amar mais que a guerra é amar demais.

Suportou calado.


Mas calado, o coração fremia além dos pulsos e lembrar doía como pedra indevida.
Era como ver pela primeira vez a queda injusta do King Kong.

A dor do filho, da mãe, do general...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Bifurcam


No Centro as coisas passam tão rápidas. -Quando eu vi escorado no poste
o corpo de um rosto conhecido.

"De onde eu te conheço?
Se eu te conheço não é de longe
porque longe, longe mesmo
eu nunca fui.
Talvez conheça das histórias,
que ainda brinco com as memórias,
tão contatas da vovó.
Te conheço de vista ao menos
pois não pode haver alguém
que se pareça tanto, tanto assim
com você, além de você mesmo."

Toda quarta na volta é, por ser, assim...
Quase toda quarta.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Do mais, além


Foram precisos 17 anos e muita música, 3 copas do mundo que me lembro sem buracos, nenhum osso quebrado e um dia estranho, tão cheio de algo. Foi preciso também ouvir um comentário que eu mesmo fazia e desprezar. Ouvir um garoto falar de jedis. Precisos um vizinho louco de mãe morta, que eu mesmo jamais imaginei morta. Agora não tenho mais jujus. Foram tantos jujus de abacate nas noites quentes das sextas-feiras, acompanhados da dor de cabeça de quando uma criança chupa sorvete muito rápido.

Precisei não reencontrar nenhum amigo do pré e aprender a pegar o ônibus sozinho. Precisei poupar as conversas que remetem as tardes frias de filme ou a busca de peças de computador com meu pai . Precisei viver um grande amor ainda vivo e ser quase responsável de meus feitos, responsável de mim. Precisei aprender a ver a hora num relógio de ponteiro. Precisei ver amigos antigos e não ser reconhecido, aprender a ver que as pessoas também sentem.

Foi preciso ser alvo dos olhares infantis por não andar no padrão, e foi mais preciso ainda ver que o padrão só segue quem tem medo.
Precisei abandonar a fantasia e distinguir o real do impossível
Distinguir as lotações do ermo que é a vida.

Enfim: precisei envelhecer pra notar que o tempo passa.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Um copo de liberdade


Ora, dividem o espaço do mesmo pomar
Que o bar faz apertado e soando copos.
Que o bar faz apertando suando os corpos
E que a verdade é que querem se matar.

Seus olhos, cliente e balconista, vertem
Suas máculas adquiridas ao longa da vida
Saúdam a esposa sequer nascida
Em suas vidas, já mortas, por desdém.

Ninguém é melhor que ninguém.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Labirinto

Atravesso a rua e me escoro num poste, ainda daqueles de madeira que a prefeitura tirou anos atrás. A luz é mínima e tento decifrar o ruído hermético que me lembra algo da infância -Ultimamente tenho visto a infância em quadros, sendo por mim mesmo restaurados, um nada raros- Bordejo até a porta mais próxima.

Me peguei te vendo em forma de espectro. Gritei e não fui visto, te toquei e sequer sentiu...
"A verdade me vem quando estou só".

Hoje eu acordei sentindo a boca seca, a bexiga cheia, as pálpebras pesadas e musicando meu esquecimento. Musiquei os beijos que não dei, cantarolei o uísque que agora me pesa, decifrei a cidade pelo asfalto.

Quando você ouve algo e tenta musicar
Quando a música te lembra algo. Ou
quando todas as coisas se resumem ao silêncio:
Aí serei um tanto quanto estonteante
E lhe direi as verdades
Que não são.

-Garnel

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Dispor

Enquanto você dorme eu me disponho a pervagar pelas estrelas dos seus sonhos. Eu me disponho a moldurar em ti a paisagem em que sonha, para vive-la ainda nos instantes em que te perco. Enquanto você dorme carrego a cruz de te ver morta, mesmo que essa morte seja uma ciência simples e conhecida.

Seu sono é a mitologia que suporta minha fraqueza humana, é poético e luxuoso como qualquer poente.

Seu sono é um requerimento de imortalidade, enquanto eu me disponho a esperar que finde o sonho até que seus olhos se abram e eu te chame enfim, de amor.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

À minha menina


"As meninas são minhas
Só minhas
As minhas meninas
Do meu coração"

Cecília pode ser qualquer mulher. Pode ser Luíza, Beatriz, Clarisse ou Maria, qualquer nome que me agrade. Cecília pode ser amante ou namorada, pode ser ébria ou realista, pode ser doente ou saudável. Cecília é Cecília. Ela me liberta o corpo aos gemidos do vento e sinto-lhe a voz murmurar "Você, Você!" Como quem quer atenção.

Cecília é linda e tem o nome de minha filha. Cecília é minha, minha filha ainda não nascida. Tem cheiro de flor e a cara de minha mulher, o corpinho miúdo, um laço charmoso e enternecedor que lhe prende os poucos fios de cabelo. Cecília lembra minha mãe que me remete a infância que me faz lembrar da ovelha colorida que tirei tantas fotos um dia.
Foi bem recebida por mim -por ninguém mais conhecê-la, ainda- Pode também ter outro nome, algum que indique o significado da minha tatuagem no pulso esquerdo que pulsa como um segundo coração.

Cecília abrange um universo de características, uma poesia nos olhos, umas garafunhas nos dedos,
a mãe no sorriso.
Cecília sou eu.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Tremo(r)


Já formulei tantas hipóteses que se somadas formam um rio
Fugindo com sua própria correnteza, sobre suas próprias águas
Sobre suas vidas e cardumes, sobre tuas mágoas.
A hipótese de ser doce, mentiroso ou morrer como um bandido.
Dando ênfase ao que mais revela, a bandeira, talvez
Ao símbolo ou ao seio das coisas que eu acho
Dando ênfase ao fato de serem apenas hipóteses.

Tenho rugas de criar, desfazer, recriar as coisas que penso
Porque pensar é como um anzol sem isca, como querer tocar o céu,
Roubar uma estrela, a Lua, como ser invisível ao homem
Como desaguar numa carícia sem recompensas.

Criar hipóteses é a morte tão enfunada de ironia
que a reza desaparece com nome de flor, tarde da noite.

E enxergo a razão...


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Carona


Do outro lado, atravessando o campo, o deserto, os mares, a cidade e subindo aos céus, perfurando a atmosfera e seguindo o infinito negro da essência do universo, eu vi o núcleo da existência.
Quando abri os olhos para um sonho e fechei ao mundo:

Era rústico e cheirava a lilás, vinha em lufadas esse cheiro e era tão verde e cinza pelo clima, que as cores nas árvores se misturavam. Um espaço talvez de poucas centenas de metros. Era inverno, tão inverno e ainda assim verde, tão verde que o ar era verde quando se revolviam as cores. Eu ouvi cantar uns pássaros que jamais havia ouvido, com um parco resultado de orquestra.

Quando tinha apenas encostado a minha face
na tua face.
Te sonhando nos meus sonhos em que a natureza
É desconexa como um sono que se dorme
Incoerentemente na volta tardia para casa.




quarta-feira, 13 de outubro de 2010

De ser amada

"Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar."


Parece que você sempre houve, que te conheço de outras carnavais e que sua voz era semelhante a alguma conhecida, vindo das cordas de uma outra garganta desentoada e única. Como as cordoalhas dos navios que se misturam com os sons das botiques a beira-mar.

Nos filmes, as ficções parecem mais deselegantes, submersas naqueles fatos surreais. Você me pareceu um tanto quanto surreal. Seu riso, autor de sua gramática e de sua luz aparece nos píncaros do desejo, como o verdadeiro verão ao pico das montanhas enevoadas.

Mas eu tive à sombra inefável do oculto, e tanto quis gritar ao mundo e ao firmamento, para que fosse totalmente possível essa ligação. E nessas entrelinhas, a verdade finaliza com um sincero e tão conhecido querer.

Só te conhecia por nome até sentir-lhe a chama da Lua.

-Garnel, num devaneio enternecedor.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Cais


Sabe, não há chuva nem mistérios, não há árvores ou sequer um pingo da natureza
Não há pois não acredito no mundo, e não há.
Acredito nas coisas que por si só se guardam no silêncio da tarde, mas não acredito na tarde
Porque a tarde tem chuva, tem Sol, e também não creio no Sol.
Creio no cheiro da chuva, e creio desconfiado, a natureza trai e por isso não creio nela
Nem em seus pequenos detalhes, nem nas coisas bonitas, nem nas coisas feias.
Também não creio na beleza, porque quem é belo mente ao mundo e é um a mais.
Quer queira ou não, a natureza apesar de não existir, é toda bela.

Na mente, algumas imagens bifurcam o pensamento e atrasam a vida
Por isso creio no neutro das coisas, nas cores neutras, nos olhares neutros
Creio no clima neutro e em tudo que é neutro, mesmo não crendo na natureza,
Apesar de conviver com sua existência.

Só não creio mais na humanidade, pelo fato de um dia,
Com todas as forças e verdades,
Ter crido.


"Silêncio, ando obcecado por silêncio. Um silêncio que te permita ouvir o ruído do vento.
E o bater do coração"

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Epifania


Hei de voar pelo ermo,
enojado e filho do vento.
Indo a casa de meu pai
ditoso amante do mundo
a quem refresca as horas.

A ilha foi vista entre o mar e o mar.
Indiferente, onde estava o vento.
Ameaçando a artesã, um sonho desconexo,
arredio e singular.

Vejo você propagando a aurora boreal como se fosse simples o conceito de ser rosa, cor de rosa, flor-de-rosa, noite rosa. De trás da noite sem sombra sobre a colina da ilha que na noite se enche de luzes e as pétalas são levadas pelo vento.

Assim, o exagero muda as formas e põe tudo a perder. O nada se torna um. O vento se torna cinza. A duplicidade se torna involuntária.


terça-feira, 28 de setembro de 2010

Dez invernos


A lareira será no centro da sala para que o calor e a luz se unam a lua da janela principal. Só será acesa quando o inverno tocar nossas faces e gelar as espinhas durante as noites em claro, eu na poltrona e você sobre mim. Vai me sussurrar suas fraquezas e sua voz será o sinal do que se passa. Nossas horas serão alaranjadas, ao som das brasas que estouram desordenadas.

Então me revestirei da matéria que desliza sobre sua pele e desvendarei os versos de sua tez macia, das verdades escritas no branco dos ombros nús e das mentiras dos lábios. Deixarei de adjetivar suas ações e o verbo se tornará maciço como quando te prometo amor. Amar...

Acordaremos abraçados, você e eu.
Com o cheiro de café do bar ao lado
A cortina entreaberta, o edredom amassado
Com os versos descobertos que li em você.

Minha camisa desgrenhada será sua roupa
até o final da manhã, quando você se banhar
esperando na certeza de que eu bata na porta.

Aos vinte e poucos de 2010, vintando Paris.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Medula


Nenhuma palavra de consolo. Quando em vez de amor bebi café.
Em vez das flores, colhi o joio das palavras
E não pude me conter.
Não dormi, não senti, não me amei pois lastimei ter vindo a vida
Se não pude nela ter, não tendo nada.

Nenhum sol em dias tão quentes, pois meu Sol se apagou.
Desmembrou-se e não subiu adiante aos montes
Não clareou o seu dia de tantas luas de espera
E não sei o porque, mas fez-se noite e temo a escuridão eterna.

A moral despencou no pélago, variei as rotas
Desenvolvi doenças, servi de vácuo.
Meus poemas se foram


Desaguaram numa incógnita visceral.


sábado, 18 de setembro de 2010

Do século


Fui eu quem não notei a mais pura beleza
E me perdi
Enquanto a integridade do simples já bastava.
Verti-me no aéreo espaço. Agora imploro
Nego, renuncio, choro, perco, pela simples
E tão necessária falta de sorrir.
Porque sorrir para mim será a mentira
E a mentira será meu sorriso, oculto,
Arredio em alguma lágrima.

Me perdi pensando se devo mentir.
Mas a mentira sorri
Enquanto quem mais precisa disso:
Sou Eu.


quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Movediça


Parei de sentir o efêmero porque ele é o espaço entre a fruta podre e o chão
As coisas efêmeras não passam como diz-se
mas seguram como a cordoalha dos navios.
Os navios quando libertos são lindos, mas as memórias os prendem
e os pescadores sonham com a terra, a areia, suas mulheres
e tudo se faz efêmero, por isso deixei o mundo de lado.

é maior que toda minha existência


terça-feira, 31 de agosto de 2010

Extático

Ao vespertino som dos pássaros, te amo, feito seiva ao paladar dos voadores
Debruço em sua têmpora meu rosto, para amar-te mais e mais
Sendo mais insuficiente, sem amor o suficiente para amar-te mais.
Te amar numa espiral depressiva, dando voltas e caindo, e caindo, e caindo
Para onde quiser, se quiser, por querer, pois quero amar-te mais e mais
Dentro das horas que suplicam pra que eu te ame mais.
E eu já amo, para mim, da forma mais horrenda e maciça, com os sentidos todos
Galgando ao som alegre dos pássaros, que amam tanto e quanto mais
A seiva do amor que não lhe falta nada, porque já não me falta amar-te mais.
E se falta, logo encobre o meu amor com a doçura dos versos que se perdem
E se encontram, e se perdem e se encontram como tontos
Se encontrando ao som cortês que exaspera dos seus lábios, já tão amados
que nem precisam mais.


segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Rubro

Vai, essa falsa promessa me enoja
nas horas constatadas pelos filiformes
ponteiros do relógio de parede.

Meu coração palpita vagamente

Vai, já não existo senão contigo.
Se não existes, se não mais quente
tenho o negrume da solidão.

No leito dos cisnes

Vai, esvai, sai, deixa-me
porque gastei o último suspiro pedindo mais.
Chorei o haver da existência.

Que morri sem conhecer.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Eufonia

Percebi que seu nome me anima.

Minhas pálpebras tremulam numa síndrome de beija-flor
quando escuto o hiato socado de seu nome,
perpetuando o meu dia com um singelo,
frutivo
e
sagaz pronome feminino.

Ela no corpo da rua.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010


Sem querer descobri que não existo, de repente, sem motivo algum. Meu reflexo mostra o que não sou ou o que pode mudar. Mostra que na verdade sou o que vejo, e se não vejo, não existo.
Se me limito a ver com os olhos meu reflexo limita a mostrar a parte de mim que não me vale nada, ou seja, inexisto para mim. Se sou amplo e me vejo além dos olhos, não presto atenção ao físico e já não existo uma vez mais, nem para mim nem para alguém, todos.

Todos são assim, mas quando se conhece passa a perceber que desconhecer era melhor, como são todas as coisas.

Como é a vida em si, uma série de fracassos que resultam no conhecimento que resultam no fracasso.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Invariável

Quanto a mim, um pedaço já se foi.

Notei enquanto dormia -sonhava ouvir maravilhado o som de seu lamento- que o acaso fora perdido sem razão, igual quando se perde um século em um dia por traição ou incompatibilidade. Deve ter escorregado do bolso - mas não pressenti na hora, provavelmente por culpa das minhas calças largas - e caído na rua, na sarjeta ou bueiro abaixo.

Por um tempo achei que essa abstinência não me faria falta, mas quem me variava a vida era justamente o pedaço que se foi. O que me detia era o universo que girava em torno do pedaço. Agora não há universo me que orbite nada. E Nada não forma um universo, apenas o infinito.
Ou o pedaço que se foi.

Mesmo estando apenas menos presente
como uma bússola na atualidade.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Mácula

Então minha cabeça se encheu de injúrias e quanto mais aquela senhora dialogava mais me ardia de pena. Considerei o fato de que a única saída que ela tinha era afirmar aquilo infinitamente, como fez, por falta de conhecimento no que afirmava. "Deus sabe de todas as coisas"

Não que eu desconfie da onisciência de Deus, mas viciar em sua palavra não traz nenhum exaspero para a física das coisas e nem é um contrapeso para o mal. Podia ver que o sinônimo de Deus para a moça era recompensa, dízimo, ou algo do gênero, que o seu pastor lhe influenciou a pensar, pois me surpreendia com a quantidade de vezes que a mulher afirmou, como se a pessoa do outro lado da linha não entendesse nada do que ela dizia e fosse obrigada a repetir inúmeras vezes ou como quando se responde todas as perguntas com o mesmo tá, em todas as respostas.

O fato é que a plenitude para a mulher parecia tão distante que passei a me confundir com essa afirmação - Deus sabe de todas as coisas, dentro das coisas que já sabia, assim numa infinita incógnita de conhecimento e reinado- que já me parecia incompleta, ou que faltava algo na verdadeira fonte.

Vi que assim as pessoas morrem solitárias, pois nada para elas é o suficientemente interessante que não caiba a resposta Deus sabe de todas as coisas para consolar, brigar, ou qualquer situação, pois tudo envolve tudo e deus já não é o mesmo: dista as gerações futuras que um dia serão passado, e do passado que ainda vive nas lembranças do sacrilégio de culpar indiretamente Deus de tudo, por saber de tudo.


Eu sei Quem sabe de todas as coisas, mas o embate me afronta quando vejo o quão fugaz é segui-las sem outras.


sexta-feira, 13 de agosto de 2010

.

Perene é viver só
à sombra do esquecimento,
o ardor dos deuses
lhe arde a vida ao pó.

Viver é a resposta de tornar a vida um breu
assim ser afagado pela impalpável mão do vinho,
senão pela alma do gozo do mundo
que ao fim me recolhe ao peito teu.

"Lembrando sorria
perdi horas sorrindo
de tanto sorrir
me emudecia."

Fui passageiro, mais pobre do que pude
no passado que foi uma viagem oprimida,
em busca da liberdade desse amor
que me fez só, por toda a vida.

-Garnel

quinta-feira, 12 de agosto de 2010


Em suma, a Terra trêmula pena por nossa existência
E brame em terremotos a ânsia de nosso fim.
Vomita em lavas o desejo de nosso incêndio
E ecoa entre as colinas a beleza do próprio mundo:
Vivente do véu prata da Lua,
Do crepúsculo alaranjado do Sol,
Da verdade que o homem subsiste, e
Da ironia de ser julgado em poesias.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Sinal


Relógios sufocam as horas aprisionadas pela entidade dos minutos, que hoje estão passando como o transito, frios e curiosos por conhecimento. E tendo a conhecer as lembranças mais a fundo, redescobrir os aromas que não senti nas horas ou rever o que me passou despercebido. Pertenço ao grupo daqueles que vivem em silêncio, que lembram dos bares que na infância se comprava balas ou outros doces. Não pertenço a mim quando não pertenço a imagem que me reflete o espelho.

A mortalha dos dias se difundi com a bruma e o rosto disforme que vejo dentro de uns olhos atônitos me fitando, e quando fitam, os lábios sorriem para a aplacar o desejo que conhece em mim.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

.



Viver já é prescindível
dispenso essa fofoca que é subsistir.
Acordar toda manhã sob o mesmo céu
servindo calor para quem
não precisa mais,

Bailando no tango do sono
que te acusa em cada sonho
de me amar feito uma amante.
Insensato, talvez, mas cheira como
o copo dos jasmins.
E sem jasmins,
não me contento com a copa
de outras vertiginosas.
Nem fingo ser feliz;
Pois ser feliz pra mim condiz com sua voz
com o seu canto doce e desentoado
com o veludo de sua pele.
Ser feliz é te amar, no desejo dócil de um homem.




segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Pra alcançar o ponto

Eu não entendia nada do que ele dizia, era como se viessem sussurros de todos os lados e as ondas do som se esbarrassem deixando tudo com menos sentido, pois já não haviam lados e tudo era um só, o cosmo, esfacelado e infinito, como nunca visto antes, o infinito. Aquele negro, ainda sem estrelas, só negro, fazia com que nós nos sentíssemos únicos. Senti-me um astro em eclosão, dentro dos astros que ainda não existiam, o único, simplesmente.

Pra não entrar em detalhes, milhões de anos depois surgiram inúmeros Corpos Celestes, cada um com sua respectiva atmosfera, suas leis - impenetrabilidade, inércia, entre outras - fases, Luas, pendências. Até que no meio desse alvoroço todo, surgiu a Terra, nua, com o Espírito de Deus pairando sobre a face das águas. Um novo Deus, já que tudo era novo na Terra, ainda sem propriedades.

A Vida foi uma das últimas coisas a surgir, mas surgiu um dia, que não lembro muito bem. Começou unicelular, invisível aos meus olhos plasmáticos, e quando acordei já existiam os Saurópodes, Anquilossauros, Ornitópodes, etc e tal. Reinava o absoluto Rex, como reina o mal sobre o mundo até hoje, até que foram todos extintos via meteoros flamejantes. E depois, alguns jurássicos que ainda hoje vivem. Até chegar a torpe criação do humano, que não me lembro se paralela a qual. Vieram vários Homos, até chegar ao Sapiens: neanderthalensis, rhodesiensis, todos já extintos, e ainda antes o requisitado Australopithecus.

Daí vieram as descobertas, as caças e a reprodução, as cavernas e as pinturas. Depois a roda e o fogo. Depois um buraco que me leva até as cruzadas, os aldeões e ao catolicismo. A escravidão, os negros e índios, as armaduras e carpinteiros. O cérebro embarafustado de velho, e as informações remoendo de ódio. As artes mais famosas nascendo no mundo, os movimentos e a magia dos talentos. Antes de muita coisa dita, a Mitologia, e retomando, a tecnologia. O primeiro automóvel, alemão se não me engano, depois milhares de outros. A primeira TV, até o holograma. Os aparelhos de som gigantes e os que podem ser carregados no seu celular.

E o apocalipse próximo, com os auto-falantes e homosexuais.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Setim

Imponderável.

Queria que visse seu rosto quando sabe que sou teu, sem mais, só teu. Quando sabe que sou o vaso que molda com as mãos e você a oleira, sem mais. Quando sabe que sigo teu perfume, sem mais. Queria que visse, pois seria assim que explicaria o porque das coisas, assim te causaria mais vertigens e assim seria mais lindo tocar tua pele, que me deixa louco. Obstante, é o que mais me deslumbra:

Ver teus olhos fitando os meus e descer o olhar pra descobrir o que carrega tudo. O pescoço, o queixo e os olhos novamente - para certificar que já desfocou de mim - o ombro direito, ombro esquerdo, o busto, os olhos, a boca, a bochecha, o busto, seus lábios. E selar todo esse caminho com um beijo, sem mais, declarando que uma vida é pouco para amar o brando que só você reluz.

Marchar à pé toda a cidade, bêbado de tua pele.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Lassidão


Te encontrei num sonho novamente
Que eras a água do mar e a dor.
Quando a dor era tua boca,
o enleio de todo o enredo.
A água engolindo a praia
E os amores perdidos na areia,
Engolida crua por sua parte
Menos sacra que Afrodite.

Daí vieram os anos,
Consumindo minha carne ainda viva
Perdida em seu amor mascate.
E quem sou se não o temeroso canto
Dos lobos cinzas, que dormem sem preocupação,
Famintos, sedentos, afogados em sangue.

Além de mim que velo sua falta, nunca tão presente.


terça-feira, 20 de julho de 2010

Influxo

Maria, a dona de casa magrela que menciona as histórias de todas as cicatrizes sempre que possível pra se fazer de coitada, assentou-se a beirada da cama e se dispôs a rezar. Rezou como a quem a morte está próxima, como a quem perde um parente ou como a quem é traído. Inclusive na reza mencionou a cicatriz ainda não muito bem formada que o marido lhe atribui na última noite em que voltou tarde para casa.

O marido, estirado em uma mesa retangular conversando, ainda não muito bêbado, e pensando na esposa que para ele dorme, pensando na esposa que reza e chora. Dissimula atrás dos risos a preocupação que tem com a saúde mas não se contém e continua a beber em silêncio. Trama entrar em casa e se dar com a esposa deitada, mas sabe que será recebido com os olhos úmidos e de tédio espancará de leve para espantar a melancolia, como de costume, e se não acontecer, caíra no sofá antes sequer de vê-la com a camisola branca que usa desde o casamento.

À sobressalto, Maria só queria contemplar o céu, que é lindo se bem visto.
Caiu definitivamente, por conta do veneno.

"E dormir na hora mormurando: "Dora"
Mas você é Maria"


quinta-feira, 15 de julho de 2010

Progenitor

Aqui: onde me confundo e perco de mim o equilíbrio das coisas.

Descobri dentro de mim uma nova ramificação do amor, uma notória perseverança de se esconder. E não descobri por conta de alguém concreto, mas sim de alguém que não existe e se faz platônico dentro das horas.- Faltam palavras para essas minhas tardes tão cheias de insônia- O amor que vi não descreve-se mas existe e é unânime, se justifica e aconselha para si. É uma meia-lua de informações.

Cabe dentro de uma manhã e a contragosto é eterno como a morte. Assim não é ignorado nunca e tão pouco recebe atenção o suficiente. Atua numa tragédia ínfima oculta pelo elenco mal formado, que desfaz a tristeza e se esconde atrás da péssima atuação. O amor que descobri se equivale a um incêndio, sem a ternura das chamas ou das cinzas, mas um incêndio dos séculos talvez. Para fugir das metáforas diria que é o incêndio metafísico de uma biblioteca; a paralisia das informações.

Em outras épocas quem amava assim era queimado como bruxa, e quem sabe as bruxas não amavam assim e por isso eram bruxas? Os Iluministas iriam de contra e os religiosos condenariam novamente. Os nazistas destinariam todo esse amor ao gás que seria a chave desse mistério descompassado. Os pintores o fariam de branco, todo de branco numa nula expressão de afeto.

O verbo se fez nulo e me limito pelo espaço da folha rasgada, mas esse amor se quer nasceu e já foi perdoado por muito existir.

Morreu de vez, de muito viver.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Velho pé de romã

Tive aquela sensação de conhecer o gosto pelo aroma, de conhecer o aroma pela aparência e de todas essas possibilidades de quando se tem fortes lembranças de um lugar mesmo espaçando duas Copas de tempo em que não se via, como o pirão que minha avó um dia me ensinou a fazer. Duas Copas, a morte da minha avó, inúmeros ataques terroristas, o apogeu de vários novos estilos musicais, trocas de carro, instrumentos novos, e diversas coisas confusas pelo tempo. Vi que a vida não é tão pacata assim, resgatando o passado nota-se que a vida passa só quando decidimos ver que passou, com o tempo distante, alguns anos, quase o fechamento de um século.

Aí me lembro de quando, naquela sala de estar, tentava equilibrar uma águia de R$1,99 na ponta do dedo indicador pelo bico, aquelas em que criança adora passar horas brincando até quebrar. Me lembrei da minha tia, que agora usa dentaduras, de seu marido, meu tio, irmão de meu pai, o urdidor de tudo. Lembrei de meu pai, apoiado na pedra de amolar facas comentando o velho carro da tia das dentaduras, ou de meu pai sentado ao meu lado, no sofá verde, enquanto brincava com a águia e os adultos discutiam coisas sérias, ou até não muito sérias, pois não ouvi nada do que diziam.

E quando percebi, havia o dobro de pessoas e as novas crianças ocupavam meu espaço que ocupava há anos atrás, o braço do sofá, a mesa de vidro em que a águia se sustentava. Dormem aonde já dormi, brincam aonde brincava, e descem a escada que eu descia correndo por descer ou para chamar a atenção dos adultos que discutiam coisas sérias, ou não muito sérias, pois nunca ouvia nada do que diziam.

As memórias são tantas e se repetem dentro da cabeça, até descobrir que lembro tão pouca coisa que parece que foi ontem a manhã em que o Brasil foi campeão, e todos comemoravam na rua enquanto a moldura do corpo do caixão era conhecida e celava a eternidade sem um prato de pirão.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Inacabado


Busquei em vão em meus olhos alguma lembrança do que aconteceu; algum instante em que ruborizamos juntos de calor; algum arrepio dos mil perdidos em meu corpo; algum crepúsculo de nossas visões; nosso virtuoso coral ofegante. Mas notei que tudo fora feito com os olhos vendados pelas próprias pálpebras extasiadas de amor.

Estrelas escarlates percorreram nossos lábios quentes e amortecidos, e o desejo de me tresnoitar ao seu lado era o único incapaz de se esconder. Tenho a tutela de cada segundo guardada a sete chaves. A tutela dos segundos inacabados e do próximo ensejo que nos mediará uma inesquecível e cruel tentação perpétua dentro dos corações e dentro da cerne da minha alma.
Meus lábios não estão mais amortecidos.

A lembrança mais impactante dorme no meu pescoço sem vontade de acordar ou sair dalí, com vontade de receber a compania de outra marca irremediável que prove nosso amor à roxas circunferências latejantes.

Will be our secret, ok?

"A tua mão no pescoço, as tuas costas macias"


quinta-feira, 1 de julho de 2010

Só não precisava quebrar a cabeça

Eram dias que não me surpreendiam mais -E sempre foi assim, dentro dos milhões de anos sem mudanças na camada terrestre, até um animal decidir se adequar a um novo ambiente e surpreender com uma nova característica - até me surpreenderem novamente.

Nessa manhã, que não é fria e não é quente nem tem o canto dos pássaros, notei que observando as perspectivas temos o mesmo resultado, que multiplicando as informações falsas com as verdadeiras, falsas com falsas, verdadeiras com verdadeiras, temos o mesmo simbólico produto. A sociedade acredita no mais fácil, por exemplo: Quando se acusa alguém de assassinato é mais fácil condená-lo a morte ao ficar talvez anos lutando na justiça para descobrir que esse alguém é inocente. Quando se perde uma peça do quebra-cabeça, joga-se fora (ou larga-se no canto esquecido da prateleira pouco visitada) pois algo diz que nunca mais estará completo, sendo que as peças que você ainda tem são as suas possibilidades de completá-lo. Se os olhos estão vermelhos e a voz aveludada e fácil deixar de lado a cadência carregada da semana passada, a friagem tomada na viagem, os lacônicos momentos de histeria, e acusar com ironia de drogado.

Existe uma verdade perfeita e sempre evasiva. Essa verdade perfeita é a única que se perde por querer, pelos acusados e pelos que acusam, satirizam, desfazem, ou algo do tipo.

É como o trânsito, o horário de pico, a chuva, e o local em que se quer chegar: Desde de que se sai do ponto zero foca-se o local em que se quer chegar. O transito, horário de pico e chuva apenas diminuem a velocidade e a vontade talvez, mas o foco é o mesmo. Como quando se crê na verdade que as opiniões lhe desenham.



domingo, 27 de junho de 2010

à dois, sem dois

Notei que faziam anos que não via o céu tão estrelado ao ponto de poder até me perder ao procurar constelações. Ainda com isso dormi plangente.
O Sol não me fez diferença, nem a Lua, nem a fogueira nem nada. Parecia que o orvalho escorrendo das árvores não existia, muito menos os resquícios de cinzas dos troncos queimados, as corolas das flores não emocionavam mais, a estrada tinha início e fim. Tinha que haver um entrave.

O entrave era sentar sozinho no balanço, arrumar a cama sem me preocupar com ninguém, dar as mãos ao braço do violão, beijar o frio palpitante e enluarado, ouvir a sua voz velada pelo vento vindo de longe ou da imaginação.
Tarefas que são feitas à dois.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Rasuras em espiral

"O tempo está passando, e sobre ele é impossível discorrer sem falhas, sem parar na primavera ou perpetuar nas noites frescas de junho. Está passando. E carrega a carga do tempo passado, a saudade do tempo vivido, e nada no que virá. O tempo está passando no mundo subterrâneo e nessa cidade sem Sol."

Deve haver um engano, não sei. Tem de haver um engano.
Se não houver terei de reunir os enganos que já houveram para construir um outro. Terei que criar ou extrair de algum lugar, mentir para alguém ou combinar para que me enganem. - Se não houver um engano talvez esse problema não exista, ou o problema seja por já termos nos enganado sem mensura, nos enganando dentro de algum engano e se acostumando a isso tudo.

Aos leitores - mesmo os que tenham a maior percepção, iluminação ou seja um perito em espiritualismo - que se enganam comigo.

-Garnel

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Assaz

Um dia - era dezembro, o mês que é interstício final entre o primeiro e último dia do ano - gélido, por sinal, como tudo que me recorda coisas vivas. Eis me ali, debruçado no leito da noite, como se tatuado na paisagem nebulosa da cidade grande, inerme para a tez rosada daquelas bochechas, para os passos impactantes e sem rumo da dona dos mais preciosos lábios.

Me derramei simplesmente, na poesia tresnoitada dos olhos avermelhados que encontrei por acaso e não muito por acaso trancafio como se lacrados. Perdi-me como se fosse a primeira vez em que vi fechar as pálpebras e concordar à pálpebras fechadas dissipando nosso amor.

Hoje - Junho; absorto - são seis meses exatos que distam dezembro. E de hoje para mim, não haverá mais nada que seja apto a distar o tempo em relação a nada.

"Beijei-a: eu sentia a vida que se me evaporava nos teus lábios [...]"


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Quarto de espelhos

Se fosse para descrever com vigor a urgência do que é abolir todas as horas de ausência, me perderia como aqueles cães da cidade que fitam os frangos assados ou como peixes que se perdem do fluxo dos peixes e desvendam o mar como procedimento da morte. Iria variar sem querer, de forma descontínua, as horas dos cafés, que não me canso de queimar.

Meu raciocínio seria o tal: suceder as minhas falas com um "meu caro" de inefáveis sentidos, incontáveis deles. Seria para um monólogo e uma carta que nas duas faces apresente o mesmo endereço, mesmo nome, que nas duas faces seja a mesma carta, leitor e escritor sejam a mesma pessoa.

Descreveria a estratosfera, em suma, tornando-a de um exorbitante negro sem fim a um arabesco rabiscado. Em proporções, comparado com dois olhos simplesmente, negros e enternecedores, talvez vastos como o infinito da estratosfera, ou curtos e fechados como o infinito de divisões dentro de um grão de areia, irritando os olhos que são também infinitos. E tudo é infinito, inclusive a ausência que não existe, por cada ser ser infinito, tendo em si a companhia auto-suficiente e nunca mais só, e se só, acompanhado de um pedaço de si.

"Se fosse para descrever com vigor a urgência do que é abolir todas as horas de ausência, me descreveria como aqueles cães ou aqueles peixes do início, me fragmentária em partículas até me tornar inexistente aos olhos humanos"

-Garnel

terça-feira, 8 de junho de 2010



" Eu imagino que durante a noite tudo deve ser tão brilhante por aí, creio que mal consegue parar de piscar devido as fortes luzes que a Torre cintila, mal consegue lembrar do que deixou um dia.
Na mesma proporção de suas luzes creio que estou, porém em trevas, graças a sua abstinência que me arde e dói ao mesmo tempo, que me queima e faz de mim, eu mesmo. Sem você. [...]"

domingo, 6 de junho de 2010

Epístola pra França

"Bom dia ou boa tarde,
pois creio que os carteiros por aí não trabalham durante a noite, como em nenhum lugar fazem. E não sei o horário que lhe será entregue essa carta que fiz por fazer enquanto lamentava as horas sem você e via a praça vazia sem teu brilho, enquanto eu espargia meu corpo sobre a cadeira e apoiava os cotovelos sobre a escrivaninha empoeirada de tanto tempo sem uso.

Temos um oceano e alguns países de distância, nada que como tudo que fizemos, possamos superar ainda juntos. Com a separação física cravada como uma nódoa causado por um trauma de infância, a saudade fatigando os minutos acordados, tua ausência acometendo meu edifício já estilhaçado, fica mais fácil te escrever do que quando te tenho ao meu lado, cálida de amor, vibrante como sempre. Espero que tua fonética seja a mesma quando voltar, que sua língua raramente enrosque enquanto fala, como sempre, te tornando a mesma, sem precisar tornar nada. Não imagina o que é passar na sua rua sabendo que por tempos não é mais sua, sabendo que pode ser sua mais você pode não ser mais a mesma. Consigo ver as lágrimas que molharão esse papel enquanto ler, juro que consigo, e digo:

-Não chore jamais pela minha espécie que não te é digna, pois mesmo sabendo que a tua é, não choro, de tão sem dignidade que é a minha alma.- E tenho certeza que não choro por não haver mais nada dentro de mim senão o opaco que tua falta me faz, senão o vazio, o vão do tempo e do espaço, e entro em contradição com minha própria palavra, que é a tua saudade. E agora, pela primeira vez soube o que fazer para dizer algo, para expressar algo, sem errar, talvez.

E te juro Gabriela, com todas as forças que ainda me restam para jurar, que o tempo para mim parou no derradeiro sentir da tua carne macia.

Do ainda seu
Felipe."

Talvez um dia precise de algo do tipo, sem refugar palavras.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Simples

Não sei se é nítido, mas tudo que escrevo acaba - algumas vezes sem intenção - se derramando numa ordinária sequência. As mesmas coisas ditas de maneiras pluriformes, sem início, com fim. Descartando as prosas românticas que me dão pouco trabalho, e uma qualidade não lá muito comovente em relação ao meu próprio censo crítico. Seria mais um desabafo, mais não me agrado desse termo tão usado dentro dos fins de relacionamentos, quando as mulheres choram para outras mulheres ou para seus amigos efeminados, também meio mulheres, e falam o que entope suas glotes rasgadas de tanto soluço. Ou seria para fugir de minhas próprias broncas, me regularizar dentro dos meus padrões limitados de talentos, de palavras, limitados de tudo.

Quando percebo que cesso minha fome é porque estou dentro da mesma sequência mais uma vez. Entro sem perceber, falta de criatividade, necessidade, independe. E creio que já estou na mesma novamente, como quando um velho te pára para contar histórias de sua infância na roça, de sua avó muito tetuda e de seus almoços as 10:00 da manhã. Essa deve ser minha marca, a característica singular que cada amante recebe dos céus, minha aparência crua que não tive escola ao ganhar.

E um dia, hoje mesmo, minutos atrás, eu descobrira que a beleza da escrita está na simplicidade das linhas, no amor pelo que se lê e se escreve, e ponderei nessa desculpa esfarrapada que testifiquei acima sem dizer nenhuma verdade pra mim mesmo, nem para quem me lê. Descobri que as palavras são mais compreendidas na ausência do erudito, e que juntando todos esse fatos têm-se um arsenal para publicar um livro, um dentro dos cinco mil que surge a cada dia. Tem-se um exército armado até os dentes para defender com poucos versos a idéia, por mais mal formada que seja, de alguém que pratica o complexo sem primeiro testar o casual.

Fácil também é citar nomes, só citá-los para que venham em mente rostos, conhecidos e portadores desses nomes. Mas creio que além de mim, poucos fazem. Simples é amar, vidrar-se em olhos que ninguém mais vê da mesma forma além de quem os ama. Eu como exemplo: vejo os olhos comuns como duas gotas, sempre iluminadas que escorrem dos cabelos para esconder o interior da cabeça, esconder a parte nojenta e não deixar vazar a massa cefálica para fora do rosto, como uma cortina serve para uma sala de estar. Mas quando se ama essa cortina, esses olhos, tudo se transforma em Marizas, Marias, Cecílias, Beatrizes, Elzas, Castanas, Matildes, tranformam-se em Gabrielas. E as imagens todas me vieram a mente. Amar é facil, simples melhor dizendo.

Seguir o relógio é um ótimo exemplo, pois as horas passam, simplesmente passam, e não há anos, sonho, droga, mares ou qualquer coisa que impossibilite ou seja um entrave no caminho. O tempo é simples e se repete todos os dias. 24 vezes por dia, 60 vezes por hora, 60 vezes por minuto. Continue a quebra de quiser, agora não tenho tempo.

Simples também é conversar sozinho, pois nessa solidão as coisas vem à tona e a graça indizível de viver consta em não ter ninguém para contar seus raciocínios. E talvez isso dê sequência ao meu início e esse seja o problema, talvez não tenha mentido quando expus-me, talvéz. E talvéz tantas outras coisas que me vem quando estou só. Talvez o mundo não precise mais de mim, talvez. Talvez não haja solidão e seja só um sentimento a parte. E tenho que dizer que não me sinto só.

Talvez nada seja simples como parece pois tudo me parece simples demais. A vida tão maldita por muitos me soa simples, e a morte ainda mais. O algodão nos orifícios, o banho que durará a eternidade, toda essa vaidade pós-morte me parece simples.

Escrever coisas sem sentido me parece simples, que sei que faço sempre que por algum motivo decido escrever sem simplicidade.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Me abrace?

Sem mais nem menos dou dessas, te vejo em lugares em que não está de forma completa, por vontade de te ter o dia todo. Te vejo quando esquece algo comigo, que seja concreto ou seu simples cheiro de sempre, quando materializo alguma lembrança que te tinha em lugares que passo por rotina. Te vejo na solidão do meu quarto quando noite, por querer sentir o ar quente de quando fala no pé da minha orelha, ou por querer, só querer.

Te vejo no vão do meu dia preguiçoso, em cada vão. Na cor inquieta das flores eu talvez te veja. No caminho de volta pra casa. Te vejo quando vejo qualquer coisa de cacau. Quando a Lua é envolta por um anel de elétrons que luzem como seus olhos contra luz, te vejo. E mesmo a contraposto, que pouca vezes, inauditas, também vejo, numa doce inebria de perdão.
Quando cheiro minha blusa e sinto teu cheiro, esquecido nos longos abraços de quando te vejo na forma mais maciça de te ver.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Xeque-mate

Xeque. E sua Rainha derrubara mais um peão de meu exército defasado, enquanto meu bispo ainda na posição inicial F1 se preparava para defender com a própria vida meu território escasso de segurança. O Rei se acovardava em cantos, ladeado de peças prontas para o sacrifício vivo de um Rei que nem fez tanto pelo teu povo além de fugir por diversos lados.

Inúmeras rodadas à frente, algumas peças a menos de ambos os lados que já se encontram acabados igualmente. Para a Rainha alguns peões e um rei em minúsculo, para mim o Rei sem rainha, alguns peões e uma torre que já não serve quase nada. Não há mais bifurcação entre os territórios, e os acervos de energia estão quase cedendo para um fim inesperado.

O Rei G1, a Rainha G6, sem mais escapes para a covardia.
Xeque-mate.

A Rainha liga para agradecer as orquídeas.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Véspera do beijo

Não imaginava ser possível dividir o tempo em seus milésimos o suficiente para que consiga pensar em algo além do beijo, se o beijo é quem causa tudo isso. Posto como o meliante, fatiado dentro dos segundos que faltam para o toque dos lábios, passa-se a pizza em digestão da janta passada, o irmão que sofre de gripe e o cão que enfrentou no caminho do encontro. Enquanto o cheiro do bueiro enfatiza, com o queimar das narinas ofendidas pelo aroma, o trânsito de uma preliminar. O silêncio dessas horas é falso como quando estende-se o beijo em silenciosos minutos de amor.

Visto que os poucos segundos não sustentam o peso do beijo todo, é necessário que se acelere as verdades pensadas no momento mais sincero de uma relação, e essas variam de beijo pra beijo. Como quando se sabe que o beijo não durará mais do que poucos segundos, ou quando o beijo não se limita ao tempo e espaço e dura mais que o espaço entre as estações do metrô. Varia da honestidade em beijar sem traição, em beijar por beijar, ou em beijar movendo os astros que passam com as pálpebras fechadas, escaldantes e abandonados pelo beijo, na mais maciça sinceridade.

E esses segundos que antecedem seriam o âmago da poesia. Esses segundos ditam todo o decorrer do dia. Há concordância quando fecham-se os olhos, excelsos quando puros, quando tua cegueira me cega de amor e suas narinas exalam, seus lábios se emborcam nos meus e respiramos o mesmo ar.

"Até, com as mãos, revolver toda a paisagem."

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Há quanto tempo Garnel?

Cristalizou tua vida num colar de guilhotina, esperando que voltasse a realidade e enfim se enforcasse numa lâmina maciça, sem carrasco ou acusações reais. Para se entregar sem histeria, ao contrário dos antigos pobres que eram condenados a morte sem honra, sem nenhuma de suas súplicas atendidas, com a cabeça no lugar.

Há quanto tempo o mundo se refugia na morte e a morte se alimenta da inocência? O fino prato da inocência, servido no restaurante dos nobres acovardados

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O Sol

A mais latejante das línguas imersa numa dose de café. Uma manhã bem escassa, sem Sol. A máquina de expresso, a garçonete, os cachorros assistindo ao trânsito.

São todos esses fatos que trazem a chuva, as gotas da chuva, saudades do lado de lá, saudade do inconsciente de cada recanto. As sombras oblongas que tardiamente ocuparão as lacunas de todos os corpos. Mas os corpos sem Sol não lacunam. Mas o Sol sem os corpos existe, sem sombras.

Nasceu fragilmente do ventre das nuvens, independente do nosso querer.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Remoto

A miséria da poesia vem quando vê-se as palavras lançadas e nunca compreendidas ao certo. Quando todo o lírico da poesia se transforma num tédio embarafustado as minhas próprias mãos, passando a um sádico interpolar de rimas. E vejo na verdade dos olhos, o quanto queriam ter a poesia e não tem, o quanto queriam-na em seus braços vazios, em seus abraços carnais ou em suas paixões ludibriadas.

Para isso somos a verdade, que ainda não sou, vertiginosa e fria, presente na saudade de cada pequena coisa, de cada grande coisa.
Presente na saudade que há em espera-la,
Que pesa como chumbo aos meus ombros.
Presente na vontade de ter além.

Ver daqui, o remoto do alto-mar alcançar
A sua vista doce e única
E dormir na mais medonha das trevas.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Fragmento

Difundindo a espécie de ladrões.
Saqueando de mim minhas necessidades pessoais
Com o desespero de um viciado.
Apropriando-me de minha própria exiguidade.

Mesmo pagando a compania de uma garrafa
Mendigo a presença de algo vivo, até se muito quieto.
Tornando-me atrativo as vistas que me atraem,
Na cadência de um samba 2 por 4.

domingo, 9 de maio de 2010

Preto lhe cai bem

- Há tempos não escrevo os esgares perdidos em teu rosto, pois me pelo na ausência dessa escrita. Seus trejeitos não são mais os mesmos. Seu timbre mergulha num poço de ruídos.- Ao mesmo tempo, mesmos segredos e onipotência, as ocasiões se revolvem num grande motejo contra o presente, faz parte da cena. A luz rareia e as sombras dançam sobrepostas como se brigassem de perto. O intuito era interpretar, mas a cena foi mais que real para mim:

A blusa preta se mistura com a cor dos olhos, como grandes ameixas perdidas na fruteira (ato contínuo da cena passada). Então a sua mão que resta brinca com o que sobra de minha mão gelada e indolor. Enquanto as sombras que pareciam brigar beijam-se, com o comando e movimento de seus donos. Ato contínuo e eterno, que mesmo irreal é verdade quando aparece assim.

Para te dizer que, hoje estava formosa em relação a sua própria exuberância.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Mãos vazias

Um dia desses te trago uma fatia de bolo, um doce de leite, um suco de uva, um anel, o que preferir. E não mais voltarei sem nada nas mãos, além de um monólogo que sempre trago comigo, ou da bolsa que carrego vazia. Trarei algo pra compensar minha ausência, algo para designar nosso desejo mútuo de amar, te trarei algo pra comer. Direi ao padeiro que enfeite um bolo com seu nome, colorido de tantas balas de chocolate, num sortilégio para que esqueça de mim por uns dias. Pedirei ao vendedor da doceria que esvazie o estoque de balas pra te cobrir de gostosuras, te deixarei mais doce.
Ou não. Virei batendo palmas por ter as mãos livres demais, por não ter trazido nada pra ninguém, por não ter ninguém em mãos para trazer um nada.

"Nem sei distinguir mais as estações, de tão invasiva que passa a ser a lamúria do inverno e da fome que os mendigos passam nas sarjetas álgidas e úmidas."

sábado, 1 de maio de 2010

Tatuagem

No cume de uma árvore entreaberta, uma borboleta extática dormia entre as folhas da colina vasta de árvores. Pouco abaixo uma caverna sem acesso, revestida de terra que por algum motivo fechara a entrada. A borboleta esbanjava as asas esverdeadas abertas sem preocupação, pois nunca seria alvo de qualquer predador, enquanto o resto do monte apetecia aquele sono belo e perpétuo. O Sol tocava a parte exposta das folhas da árvore que guardava a borboleta, alumiando a ponta das folhas com um dourado-mostarda enternecedor.

Compungir-se por aquilo não seria má idéia, no entanto aquela árvore dava vida a toda colina. Todas as outras árvores eram sombrias e caiam na miséria incolor da natureza. Viviam apenas do resquício de luz que a árvore principal produzia como um diamante espargindo ao Sol. Sinto que já havia visto aquilo, como num flash ou em um sonho rápido daqueles que não se conta a ninguém, como se já tivesse visto nas nuvens aquela borboleta.

Aquilo fadou o meu outono, mesmo prognosticando as mil mãos que já lascaram a árvore desde que tivera a presença da borboleta, desde que aprendeu a brilhar com pouco Sol, desde que é admirada em versos e prosas.

Garnel, Garnel... ainda não aprendeu que isso é errado?

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Sozinho

Outras figuras sem forma -espalhadas num esboço à café sobre o pano de mesa que cobria o lanche matutino- vestem minha curiosidade pueril. Quando eu me livrar desse pão até as migalhas, prometo que te levo ao Riacho para dar comida aos peixes, e isso lhe servirá de morfina junto ao mato denso roçando na tua canela. Mas sei que suará bastante quando lembrar de tudo, o efeito consumará no fim da manhã e precisarei transmigrá-lo com êxito para outro ambiente mais feliz que o Riacho. E acho que não há maior felicidade, ainda que no Sol ardente do meio-dia atordoe minha nuca nua até acinzentá-la de ressequida, pois aquela água barrenta traz à tona um passado tão recente e tão vivo, um passado que é passado por falta de oportunidade. Aos caiaques e pedalinhos.

Eu acho que te levarei para um passeio à pedalinho, e juro que só eu vou pedalar. Te deixarei livre para deslizar a mão na água o quanto quiser, ou jogá-la em mim, para um refresco momentâneo. Espero que isso resolva em algo. E se não resolver, quando a Lua chegar sairemos para uma pernada juntos, podemos ir até a quadra e chutar a bola na parede, esperando que ela volte pra não termos de buscá-la. Ou podemos deitar na beliche e observar o teto, desenrolando num diálogo, toda nódoa causada por algum motivo. E se numa outra ocasião precisar de mim, talvez não mais serei capaz de te ajudar. Ainda mas que meu braço arde de queimado por ficar de camiseta fora da sombra.

As vezes é bom falar, ainda mais se for consigo.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Cachoeira

Fiquei estático até meu pés se moldarem com as pedras pontiagudas onde ocorre a queda da cachoeira. As águas desabam numa voraz sinfonia, misturada a orquestra das aves e ao som aveludado das lufadas nas árvores. Passeei por sobre o lodo esbranquiçado com as vozes desnutridas cantando cuidado.

- Cuidado. Se cair nas pedras a essa altura vai se machucar muito. - como se se importassem com a minha dor ou morte. Se preocupam com a cena horrenda do meu corpo entreaberto que traumatizará seus filhos meigos com o sangue respingado no mato. A grande verdade é que as pessoas são uma moeda dúplice que apresenta os dois lados iguais, e a probabilidade de ser bom é a mesma de quando a lança e espera que caia de lado.

Garnel não existe de fato, mais habita em mim como uma bondade isolada. Uma bondade que não existe em ninguém e é melhor por não existir.
Se banhar na cachoeira de água cristalina, enquanto a água te isola da única realidade ser vivo.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Porém real

Hoje Garnel tombará na noite, como um falcão rompendo as gotículas das nuvens.

O coração bate contra o muro de recordações indeléveis que os anos o propuseram, os anos não muito distantes, e Garnel bebe para distrair o inesquecível. Desce a escada deslizando a ponta dos dedos sobre o corre-mão mofado e cambaleia até a primeira cadeira à vista. Ponderando a desgraça lida no ônibus de volta pra casa, a descoberta insana de um antigo amor. Lia de mãos trêmulas, suando álgido na testa e galopando os buracos da rua. Garnel vê sua cama vazia e se pega tombando de bêbado, debruça-se sobre a cômoda de madeira, meio acinzentada de tão velha, e espargi todos os fluidos de teu corpo forte.

Na manhã seguinte, o Sol nas costas produzindo uma sombra triplicada no vasto quintal, mastiga o pão que comprara a mais na manhã passada, pois esperava um amigo que não compareceu, mais um motivo evidente para decepção que sofre. São cem dias, completos hoje, que Garnel desemboca todos os seus caminhos em becos escuros escondendo-se da realidade da vida.

Garnel vê transmigrar em sua frente todo o escol que um dia teve. No início de uma noite quente de outono repete todas as doses que tomara ontem, que já foram repetidas anteontem. Se vê preso numa cadeia infame que tenta ressuscitar antes que a noite caia sobre ele.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Alguém chamado Lua

A suntuosidade da Lua desponta, para Garnel, em cada poente, quando o prateado do clarão do luar se disfarça no Sol fugindo e deixando suas pegadas tingidas de laranja. A Lua o atrai só por existir, mesmo nas manhãs em que se perde do outro lado do mundo e o abandona na medonha luminosidade do Sol. Por tanto admira-la, gastava dias vendo aquele indo e vindo, como as ondas nos pés das pedras que envolvem as praias.

Garnel valorizava cada feixe de luz que a Lua espargia durante toda a noite, idealizava a matéria prima de sua circunferência, como idealizo tua voz. Creio que Garnel via na Lua não mais do que quando te vejo. Garnel via das nuvens, seus olhos refletindo do cume das montanhas o pouco do Sol que resta mesmo no escuro. A substância da Lua encherá minha boca de amor, e os astros amam-se enquanto tens a Lua aprisionada, enquanto és a Lua aprisionada.

Hoje Garnel não só a ama, a tem enlaçada numa paixão explosiva, a ama como o fogo ama o álcool. Dorme submerso numa noite mais cinza que a outra sem motivo para abrir os olhos pela manhã. Sabe que ao acordar não haverá compania melhor do que quando dorme.

Aquela fantasia dos dois amantes que se embriagam fronte ao clarão do luar seria embriagar-me só fronte ao teu rosto. E ainda que me cale numa sombria revolta, ainda que o verão atrase a chegada da Lua, ainda que vacilem os amantes, morrerei mesmo impassível, pois não há impassível enquanto és minha.

De pouco em pouco, bebendo a doçura de tua seiva.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Desordem

As coisas quando vistas de ponta cabeça perdem a forma, nunca o sentido, só a forma. Descobri num sofá enquanto observava a sala sem dinâmica, a televisão distorcida e os quadros tendo de ser reformados pela mente. Mais o que me confirmou de fato fora a face de queixo pra cima, que me envolvia como se numa caverna bem quente e pouco arejada que eu dormia por querer e não necessidade. A decisão do conforto quase nunca é por completo favorável, tive que reformular o retrato dos olhos brilhando no escuro vendo TV, reformular os cabelos, que agora tampavam a minha visão, reformular as idéias no pescoço. Todas as informações, só que viradas de cabeça para baixo. Fitar um queixo quando apoio a nuca ao invés de fitar o rosto quando apoio na parede.

- Você fica diferente por essa perspectiva, sabia? - e só murmura, como quem não entende e confirma mesmo assim.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Irmão da vítima

Eustácio acreditava de alma cálida na ressurreição da irmã, pois morrera soterrada por duas avalanches de barro e barracos horas atrás. Cria que quando as escavadeiras encerrassem o ofício, os bombeiros carregariam-na numa maca empoeirada de escombros ainda que com a vida bem escassa, e algumas câmeras ao-vivo entrevistariam o alívio do irmão. Já era tarde para o homem e foi cedo para a jovem asfixiada deixar o mundo. Dentro daqueles olhos tencionava um vermelho de choro em cada quilo de terra que as pás retiravam, tanto a dos civis quando a dos bombeiros que trabalham como se cada corpo morto ou quase morto que estivesse soterrado fosse um parente muito próximo.

Essa manhã o Sol jaziu às lágrimas que a terra absorve na eternidade da perda e irriga as flores arrastadas pela força da água. Abriu-se o ventre das águas, nas águas que vertem de dor.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Mão de onze

Meu parceiro me abandona por alguns minutos para uma rodada de truco, enquanto o reggae definha no ar com as trações de paz que só o próprio possui. Vejo os lustres como pirulitos luminosos enroscados naquelas máquinas de docerias e a praça como um campo de guerra entre os moradores locais e as drogas. Os jovens, que são muitos, cancelam seus compromissos por uma rodada a mais, e o truco assim como cada concreto que constrói o local é um subterfúgio em relação ao tempo, para deixarem suas casas nunca felizes, seus lares de pouco amor e suas mães grávidas desde o infanto de suas vidas.

A praça me traz uma paz inefável e uma compreensão que talvez fora dela não haja, como se houvesse uma dimensão nova dentre os coqueiros à volta que convença a todos do que quiser convencer.

A capacidade de convencer precede a do homem de resistir, e por isso me canso de ver olhos vermelhos, palmas da mão de cheiro e cor amadeirados e as mentiras estampadas sobre os bancos lascados, no céu ao luar e principalmente, dentro de cada buraco usado como desvão.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Coelho

Apoiei-me ao limiar da porta e ouvi bem transitado tudo que diziam, se diziam ou se só acusavam. Fico labutando pela primeira vez num esboço mental, as sub-raças do que é ser infiel. Se ser infiel é trair ao outro e não a si, então sou um escarro quando me engano e traio minhas próprias verdades.

Permiti desafirmar inopinadamente a corrente que guardava o documento tão vivo daquelas curvas, que por pouco tempo foram em voraz percorridas pelo choque de mãos contrapostas a pele, entre o doce alaranjado misturado ao álcool que agora exala nos hálitos. Potencial tem, o suficiente para procriar uma cidade da espécie e com qualquer que seja.

Mais uma dose de olhos escuros em contraste com a pele.

sábado, 3 de abril de 2010

Aplaudi, Gargalhei.

O ruído das gotas nessa manhã mais que álgida era um sufoco de se ouvir. E a contragosto, não posso tomar nada gelado e nem expor-me ao frio. Pondero uma forma de me distrair e não chego a lugar algum. Já na porta da minha memória, uma lembrança pesada:

Pára na porta da entrada dos banheiros e segue com o olhar a correria, na verdade segue o percurso lúcido de alguns passos que dei em direção ao subsolo. Os carros todos esperavam seus donos lealmente e os pilares demarcavam as zonas de espaço. Enquanto, afoito, perseguia alguém que nem sabia quem de fato. Quando voltei, vi os mesmo olhos que me seguiam no passado próximo de 15 minutos antes, me seguirem já não mais da mesma forma. De longe avistei, sobre alguns bancos de quatro pernas altas de madeira, seis ou mais pessoas que rodeavam uma mesa redonda de marca de cerveja. Quando me aproximei pouco mais, dois copos que havia visto a pouco cheios, estão vazios como se estivessem novos e lacrados.

Sua fala engraçada te denunciava, mesmo contradizendo tudo. Teu andar embriagado ainda assim era doce, e percebi que sem resistir, embarafustou-se no mesmo caminho que todos, e era mais uma comum entre nós. E entre elas era a mais brilhante, pois teus olhos se tornavam em direção a luz do poste baixo que brilhava sobre a tua cabeça -primeira cena em que te vi alucinada-

Resumiu-se a noite em poucas coisas ditas sobre um banco verde, de frente para o estacionamento e ao lado de uma fonte. Ao som trivial de um violão e voz e ao gosto nada trivial do teu pescoço.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Recomeço

A garçonete decantava cuidadosamente sem deixar rastros no corpo dos copos comumentes.

Falávamos sobre o cão que dorme sob o banco da praça ao lado de um negro temulento e fétido, sentados em círculo como quem brinca com espíritos. Senti a suposta dose descer num rasgo ardente, quando balbuciava pedindo mais um copo. A repetição era pura elegância e os risos cobriam a tontura. Até que alguém decai sobre a mesa clamando em silêncio, e de tanto silêncio não lembrei de mais nada.
O escuro era pura intuição.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Pomba

Tive a sensação de ter esquecido algo. Obstante, sabia que não havia, pois estapeei o bolso e abri a bolsa para me asseverar o já sabido. Curti o caminho à lentos passos e na mesma cadência perdi o ônibus que de rotina sempre uso como meio. Lembrei o que havia esquecido, e não esqueci de nada pois carregava teu cheiro em minha mão, e teu último beijo aonde sempre guardo e nunca esqueço.

A verdade é que não esqueço nunca, e se esqueço não quis lembrar. Ou esqueço sim, em horas como agora, que uma criança gira em torno da mãe e usa de um dialeto sem forma, como uma pomba quando aspira o cachorro-quente alheio. No ônibus, os olhinhos pouco assimétricos da criança se mechem desenfreados enquanto fitam carro a carro, árvore a árvore, e a mim, que escrevo sem motivo nem tempo, enquanto o tempo acaba quando o sono ataca de vez.

Como uma pomba descansa no vão dos concretos, descanso no vão daqueles olhos que se cansam de tanto voar.

terça-feira, 30 de março de 2010

Sem whisky

Mais um dia sob a sombra da cortina, protetora do Sol, o grande urdidor do dia.

Da janela fechada vê-se o incêndio das horas. Se vê queimar de pouco em pouco o dia, enquanto me recluso a vida numa cadeira de plástico branca, amareladamente branca. Estou sozinho pra dentro, com o mundo do lado de fora, sozinho sem mim. Todas as coisas não passam de coisas, o futuro transborda de alegria pois ainda não vive. E aos que vivem, meus pêsames pois vivem.

Antes viver fosse de fato viver, livre como dizem ser os pássaros, com saúde, sem colocados sobre ordens ou mentiras. A questão é que: viver não é estar vivo ou poder mover-se, viver não é ser sacro e não viver, viver não abrange longas galáxias ou destinos. Viver é uma simples mistura de criatura e criador num corpo só, ou sem corpo, sem vida, sem nada.

É inútil que eu explique várias vezes o que é ser vivo se não sei se sou completamente, se não sei se estarei para concluir o que digo, se não sei o que espera do outro lado da cortina fechada.

Poetizar a vida é a melhor forma de não enlouquecer depressa, de não perder no caminho pedaços da alma, ou de não usar as letras para um desvão do tempo, como faço sem censura todos os dias que me vejo assim, perdido no espaço entre os segundos.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Estirpe

Aquela casa, aquele mar, já não tinham o mesmo efeito.

Antes sequer de nascer o Sol, morria o mesmo em brilho. Poderia afirmar-me um figurante a mais, um perdido na sala apertada que se perde para nunca mais. Um corpo ressequido cobria a mesa sem velas, a mesa desprovida de qualquer espaço além do necessário para um corpo. E quantos corpos já não tinham ali pousado, para que outros chorem o triste adeus da despedida, para que chorem a tristeza de ainda ter de subsistir. E sei que subsistir é uma forma de ignorar a certeza que está sobre todas as outras.
Velar um ex-bordejante tenha sido talvez um prefácio ideal para um novo contexto de vida. Um novo contexto de morte.

Morrer é a única estirpe, que é a estirpe do amor.