segunda-feira, 12 de julho de 2010

Velho pé de romã

Tive aquela sensação de conhecer o gosto pelo aroma, de conhecer o aroma pela aparência e de todas essas possibilidades de quando se tem fortes lembranças de um lugar mesmo espaçando duas Copas de tempo em que não se via, como o pirão que minha avó um dia me ensinou a fazer. Duas Copas, a morte da minha avó, inúmeros ataques terroristas, o apogeu de vários novos estilos musicais, trocas de carro, instrumentos novos, e diversas coisas confusas pelo tempo. Vi que a vida não é tão pacata assim, resgatando o passado nota-se que a vida passa só quando decidimos ver que passou, com o tempo distante, alguns anos, quase o fechamento de um século.

Aí me lembro de quando, naquela sala de estar, tentava equilibrar uma águia de R$1,99 na ponta do dedo indicador pelo bico, aquelas em que criança adora passar horas brincando até quebrar. Me lembrei da minha tia, que agora usa dentaduras, de seu marido, meu tio, irmão de meu pai, o urdidor de tudo. Lembrei de meu pai, apoiado na pedra de amolar facas comentando o velho carro da tia das dentaduras, ou de meu pai sentado ao meu lado, no sofá verde, enquanto brincava com a águia e os adultos discutiam coisas sérias, ou até não muito sérias, pois não ouvi nada do que diziam.

E quando percebi, havia o dobro de pessoas e as novas crianças ocupavam meu espaço que ocupava há anos atrás, o braço do sofá, a mesa de vidro em que a águia se sustentava. Dormem aonde já dormi, brincam aonde brincava, e descem a escada que eu descia correndo por descer ou para chamar a atenção dos adultos que discutiam coisas sérias, ou não muito sérias, pois nunca ouvia nada do que diziam.

As memórias são tantas e se repetem dentro da cabeça, até descobrir que lembro tão pouca coisa que parece que foi ontem a manhã em que o Brasil foi campeão, e todos comemoravam na rua enquanto a moldura do corpo do caixão era conhecida e celava a eternidade sem um prato de pirão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário