segunda-feira, 24 de maio de 2010

Véspera do beijo

Não imaginava ser possível dividir o tempo em seus milésimos o suficiente para que consiga pensar em algo além do beijo, se o beijo é quem causa tudo isso. Posto como o meliante, fatiado dentro dos segundos que faltam para o toque dos lábios, passa-se a pizza em digestão da janta passada, o irmão que sofre de gripe e o cão que enfrentou no caminho do encontro. Enquanto o cheiro do bueiro enfatiza, com o queimar das narinas ofendidas pelo aroma, o trânsito de uma preliminar. O silêncio dessas horas é falso como quando estende-se o beijo em silenciosos minutos de amor.

Visto que os poucos segundos não sustentam o peso do beijo todo, é necessário que se acelere as verdades pensadas no momento mais sincero de uma relação, e essas variam de beijo pra beijo. Como quando se sabe que o beijo não durará mais do que poucos segundos, ou quando o beijo não se limita ao tempo e espaço e dura mais que o espaço entre as estações do metrô. Varia da honestidade em beijar sem traição, em beijar por beijar, ou em beijar movendo os astros que passam com as pálpebras fechadas, escaldantes e abandonados pelo beijo, na mais maciça sinceridade.

E esses segundos que antecedem seriam o âmago da poesia. Esses segundos ditam todo o decorrer do dia. Há concordância quando fecham-se os olhos, excelsos quando puros, quando tua cegueira me cega de amor e suas narinas exalam, seus lábios se emborcam nos meus e respiramos o mesmo ar.

"Até, com as mãos, revolver toda a paisagem."

Um comentário:

  1. A lembrança de poucos segundos é sempre eterna.

    Preciso como o gesto. Muito bom!

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