segunda-feira, 31 de maio de 2010

Me abrace?

Sem mais nem menos dou dessas, te vejo em lugares em que não está de forma completa, por vontade de te ter o dia todo. Te vejo quando esquece algo comigo, que seja concreto ou seu simples cheiro de sempre, quando materializo alguma lembrança que te tinha em lugares que passo por rotina. Te vejo na solidão do meu quarto quando noite, por querer sentir o ar quente de quando fala no pé da minha orelha, ou por querer, só querer.

Te vejo no vão do meu dia preguiçoso, em cada vão. Na cor inquieta das flores eu talvez te veja. No caminho de volta pra casa. Te vejo quando vejo qualquer coisa de cacau. Quando a Lua é envolta por um anel de elétrons que luzem como seus olhos contra luz, te vejo. E mesmo a contraposto, que pouca vezes, inauditas, também vejo, numa doce inebria de perdão.
Quando cheiro minha blusa e sinto teu cheiro, esquecido nos longos abraços de quando te vejo na forma mais maciça de te ver.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Xeque-mate

Xeque. E sua Rainha derrubara mais um peão de meu exército defasado, enquanto meu bispo ainda na posição inicial F1 se preparava para defender com a própria vida meu território escasso de segurança. O Rei se acovardava em cantos, ladeado de peças prontas para o sacrifício vivo de um Rei que nem fez tanto pelo teu povo além de fugir por diversos lados.

Inúmeras rodadas à frente, algumas peças a menos de ambos os lados que já se encontram acabados igualmente. Para a Rainha alguns peões e um rei em minúsculo, para mim o Rei sem rainha, alguns peões e uma torre que já não serve quase nada. Não há mais bifurcação entre os territórios, e os acervos de energia estão quase cedendo para um fim inesperado.

O Rei G1, a Rainha G6, sem mais escapes para a covardia.
Xeque-mate.

A Rainha liga para agradecer as orquídeas.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Véspera do beijo

Não imaginava ser possível dividir o tempo em seus milésimos o suficiente para que consiga pensar em algo além do beijo, se o beijo é quem causa tudo isso. Posto como o meliante, fatiado dentro dos segundos que faltam para o toque dos lábios, passa-se a pizza em digestão da janta passada, o irmão que sofre de gripe e o cão que enfrentou no caminho do encontro. Enquanto o cheiro do bueiro enfatiza, com o queimar das narinas ofendidas pelo aroma, o trânsito de uma preliminar. O silêncio dessas horas é falso como quando estende-se o beijo em silenciosos minutos de amor.

Visto que os poucos segundos não sustentam o peso do beijo todo, é necessário que se acelere as verdades pensadas no momento mais sincero de uma relação, e essas variam de beijo pra beijo. Como quando se sabe que o beijo não durará mais do que poucos segundos, ou quando o beijo não se limita ao tempo e espaço e dura mais que o espaço entre as estações do metrô. Varia da honestidade em beijar sem traição, em beijar por beijar, ou em beijar movendo os astros que passam com as pálpebras fechadas, escaldantes e abandonados pelo beijo, na mais maciça sinceridade.

E esses segundos que antecedem seriam o âmago da poesia. Esses segundos ditam todo o decorrer do dia. Há concordância quando fecham-se os olhos, excelsos quando puros, quando tua cegueira me cega de amor e suas narinas exalam, seus lábios se emborcam nos meus e respiramos o mesmo ar.

"Até, com as mãos, revolver toda a paisagem."

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Há quanto tempo Garnel?

Cristalizou tua vida num colar de guilhotina, esperando que voltasse a realidade e enfim se enforcasse numa lâmina maciça, sem carrasco ou acusações reais. Para se entregar sem histeria, ao contrário dos antigos pobres que eram condenados a morte sem honra, sem nenhuma de suas súplicas atendidas, com a cabeça no lugar.

Há quanto tempo o mundo se refugia na morte e a morte se alimenta da inocência? O fino prato da inocência, servido no restaurante dos nobres acovardados

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O Sol

A mais latejante das línguas imersa numa dose de café. Uma manhã bem escassa, sem Sol. A máquina de expresso, a garçonete, os cachorros assistindo ao trânsito.

São todos esses fatos que trazem a chuva, as gotas da chuva, saudades do lado de lá, saudade do inconsciente de cada recanto. As sombras oblongas que tardiamente ocuparão as lacunas de todos os corpos. Mas os corpos sem Sol não lacunam. Mas o Sol sem os corpos existe, sem sombras.

Nasceu fragilmente do ventre das nuvens, independente do nosso querer.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Remoto

A miséria da poesia vem quando vê-se as palavras lançadas e nunca compreendidas ao certo. Quando todo o lírico da poesia se transforma num tédio embarafustado as minhas próprias mãos, passando a um sádico interpolar de rimas. E vejo na verdade dos olhos, o quanto queriam ter a poesia e não tem, o quanto queriam-na em seus braços vazios, em seus abraços carnais ou em suas paixões ludibriadas.

Para isso somos a verdade, que ainda não sou, vertiginosa e fria, presente na saudade de cada pequena coisa, de cada grande coisa.
Presente na saudade que há em espera-la,
Que pesa como chumbo aos meus ombros.
Presente na vontade de ter além.

Ver daqui, o remoto do alto-mar alcançar
A sua vista doce e única
E dormir na mais medonha das trevas.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Fragmento

Difundindo a espécie de ladrões.
Saqueando de mim minhas necessidades pessoais
Com o desespero de um viciado.
Apropriando-me de minha própria exiguidade.

Mesmo pagando a compania de uma garrafa
Mendigo a presença de algo vivo, até se muito quieto.
Tornando-me atrativo as vistas que me atraem,
Na cadência de um samba 2 por 4.

domingo, 9 de maio de 2010

Preto lhe cai bem

- Há tempos não escrevo os esgares perdidos em teu rosto, pois me pelo na ausência dessa escrita. Seus trejeitos não são mais os mesmos. Seu timbre mergulha num poço de ruídos.- Ao mesmo tempo, mesmos segredos e onipotência, as ocasiões se revolvem num grande motejo contra o presente, faz parte da cena. A luz rareia e as sombras dançam sobrepostas como se brigassem de perto. O intuito era interpretar, mas a cena foi mais que real para mim:

A blusa preta se mistura com a cor dos olhos, como grandes ameixas perdidas na fruteira (ato contínuo da cena passada). Então a sua mão que resta brinca com o que sobra de minha mão gelada e indolor. Enquanto as sombras que pareciam brigar beijam-se, com o comando e movimento de seus donos. Ato contínuo e eterno, que mesmo irreal é verdade quando aparece assim.

Para te dizer que, hoje estava formosa em relação a sua própria exuberância.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Mãos vazias

Um dia desses te trago uma fatia de bolo, um doce de leite, um suco de uva, um anel, o que preferir. E não mais voltarei sem nada nas mãos, além de um monólogo que sempre trago comigo, ou da bolsa que carrego vazia. Trarei algo pra compensar minha ausência, algo para designar nosso desejo mútuo de amar, te trarei algo pra comer. Direi ao padeiro que enfeite um bolo com seu nome, colorido de tantas balas de chocolate, num sortilégio para que esqueça de mim por uns dias. Pedirei ao vendedor da doceria que esvazie o estoque de balas pra te cobrir de gostosuras, te deixarei mais doce.
Ou não. Virei batendo palmas por ter as mãos livres demais, por não ter trazido nada pra ninguém, por não ter ninguém em mãos para trazer um nada.

"Nem sei distinguir mais as estações, de tão invasiva que passa a ser a lamúria do inverno e da fome que os mendigos passam nas sarjetas álgidas e úmidas."

sábado, 1 de maio de 2010

Tatuagem

No cume de uma árvore entreaberta, uma borboleta extática dormia entre as folhas da colina vasta de árvores. Pouco abaixo uma caverna sem acesso, revestida de terra que por algum motivo fechara a entrada. A borboleta esbanjava as asas esverdeadas abertas sem preocupação, pois nunca seria alvo de qualquer predador, enquanto o resto do monte apetecia aquele sono belo e perpétuo. O Sol tocava a parte exposta das folhas da árvore que guardava a borboleta, alumiando a ponta das folhas com um dourado-mostarda enternecedor.

Compungir-se por aquilo não seria má idéia, no entanto aquela árvore dava vida a toda colina. Todas as outras árvores eram sombrias e caiam na miséria incolor da natureza. Viviam apenas do resquício de luz que a árvore principal produzia como um diamante espargindo ao Sol. Sinto que já havia visto aquilo, como num flash ou em um sonho rápido daqueles que não se conta a ninguém, como se já tivesse visto nas nuvens aquela borboleta.

Aquilo fadou o meu outono, mesmo prognosticando as mil mãos que já lascaram a árvore desde que tivera a presença da borboleta, desde que aprendeu a brilhar com pouco Sol, desde que é admirada em versos e prosas.

Garnel, Garnel... ainda não aprendeu que isso é errado?