quarta-feira, 28 de julho de 2010

Setim

Imponderável.

Queria que visse seu rosto quando sabe que sou teu, sem mais, só teu. Quando sabe que sou o vaso que molda com as mãos e você a oleira, sem mais. Quando sabe que sigo teu perfume, sem mais. Queria que visse, pois seria assim que explicaria o porque das coisas, assim te causaria mais vertigens e assim seria mais lindo tocar tua pele, que me deixa louco. Obstante, é o que mais me deslumbra:

Ver teus olhos fitando os meus e descer o olhar pra descobrir o que carrega tudo. O pescoço, o queixo e os olhos novamente - para certificar que já desfocou de mim - o ombro direito, ombro esquerdo, o busto, os olhos, a boca, a bochecha, o busto, seus lábios. E selar todo esse caminho com um beijo, sem mais, declarando que uma vida é pouco para amar o brando que só você reluz.

Marchar à pé toda a cidade, bêbado de tua pele.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Lassidão


Te encontrei num sonho novamente
Que eras a água do mar e a dor.
Quando a dor era tua boca,
o enleio de todo o enredo.
A água engolindo a praia
E os amores perdidos na areia,
Engolida crua por sua parte
Menos sacra que Afrodite.

Daí vieram os anos,
Consumindo minha carne ainda viva
Perdida em seu amor mascate.
E quem sou se não o temeroso canto
Dos lobos cinzas, que dormem sem preocupação,
Famintos, sedentos, afogados em sangue.

Além de mim que velo sua falta, nunca tão presente.


terça-feira, 20 de julho de 2010

Influxo

Maria, a dona de casa magrela que menciona as histórias de todas as cicatrizes sempre que possível pra se fazer de coitada, assentou-se a beirada da cama e se dispôs a rezar. Rezou como a quem a morte está próxima, como a quem perde um parente ou como a quem é traído. Inclusive na reza mencionou a cicatriz ainda não muito bem formada que o marido lhe atribui na última noite em que voltou tarde para casa.

O marido, estirado em uma mesa retangular conversando, ainda não muito bêbado, e pensando na esposa que para ele dorme, pensando na esposa que reza e chora. Dissimula atrás dos risos a preocupação que tem com a saúde mas não se contém e continua a beber em silêncio. Trama entrar em casa e se dar com a esposa deitada, mas sabe que será recebido com os olhos úmidos e de tédio espancará de leve para espantar a melancolia, como de costume, e se não acontecer, caíra no sofá antes sequer de vê-la com a camisola branca que usa desde o casamento.

À sobressalto, Maria só queria contemplar o céu, que é lindo se bem visto.
Caiu definitivamente, por conta do veneno.

"E dormir na hora mormurando: "Dora"
Mas você é Maria"


quinta-feira, 15 de julho de 2010

Progenitor

Aqui: onde me confundo e perco de mim o equilíbrio das coisas.

Descobri dentro de mim uma nova ramificação do amor, uma notória perseverança de se esconder. E não descobri por conta de alguém concreto, mas sim de alguém que não existe e se faz platônico dentro das horas.- Faltam palavras para essas minhas tardes tão cheias de insônia- O amor que vi não descreve-se mas existe e é unânime, se justifica e aconselha para si. É uma meia-lua de informações.

Cabe dentro de uma manhã e a contragosto é eterno como a morte. Assim não é ignorado nunca e tão pouco recebe atenção o suficiente. Atua numa tragédia ínfima oculta pelo elenco mal formado, que desfaz a tristeza e se esconde atrás da péssima atuação. O amor que descobri se equivale a um incêndio, sem a ternura das chamas ou das cinzas, mas um incêndio dos séculos talvez. Para fugir das metáforas diria que é o incêndio metafísico de uma biblioteca; a paralisia das informações.

Em outras épocas quem amava assim era queimado como bruxa, e quem sabe as bruxas não amavam assim e por isso eram bruxas? Os Iluministas iriam de contra e os religiosos condenariam novamente. Os nazistas destinariam todo esse amor ao gás que seria a chave desse mistério descompassado. Os pintores o fariam de branco, todo de branco numa nula expressão de afeto.

O verbo se fez nulo e me limito pelo espaço da folha rasgada, mas esse amor se quer nasceu e já foi perdoado por muito existir.

Morreu de vez, de muito viver.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Velho pé de romã

Tive aquela sensação de conhecer o gosto pelo aroma, de conhecer o aroma pela aparência e de todas essas possibilidades de quando se tem fortes lembranças de um lugar mesmo espaçando duas Copas de tempo em que não se via, como o pirão que minha avó um dia me ensinou a fazer. Duas Copas, a morte da minha avó, inúmeros ataques terroristas, o apogeu de vários novos estilos musicais, trocas de carro, instrumentos novos, e diversas coisas confusas pelo tempo. Vi que a vida não é tão pacata assim, resgatando o passado nota-se que a vida passa só quando decidimos ver que passou, com o tempo distante, alguns anos, quase o fechamento de um século.

Aí me lembro de quando, naquela sala de estar, tentava equilibrar uma águia de R$1,99 na ponta do dedo indicador pelo bico, aquelas em que criança adora passar horas brincando até quebrar. Me lembrei da minha tia, que agora usa dentaduras, de seu marido, meu tio, irmão de meu pai, o urdidor de tudo. Lembrei de meu pai, apoiado na pedra de amolar facas comentando o velho carro da tia das dentaduras, ou de meu pai sentado ao meu lado, no sofá verde, enquanto brincava com a águia e os adultos discutiam coisas sérias, ou até não muito sérias, pois não ouvi nada do que diziam.

E quando percebi, havia o dobro de pessoas e as novas crianças ocupavam meu espaço que ocupava há anos atrás, o braço do sofá, a mesa de vidro em que a águia se sustentava. Dormem aonde já dormi, brincam aonde brincava, e descem a escada que eu descia correndo por descer ou para chamar a atenção dos adultos que discutiam coisas sérias, ou não muito sérias, pois nunca ouvia nada do que diziam.

As memórias são tantas e se repetem dentro da cabeça, até descobrir que lembro tão pouca coisa que parece que foi ontem a manhã em que o Brasil foi campeão, e todos comemoravam na rua enquanto a moldura do corpo do caixão era conhecida e celava a eternidade sem um prato de pirão.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Inacabado


Busquei em vão em meus olhos alguma lembrança do que aconteceu; algum instante em que ruborizamos juntos de calor; algum arrepio dos mil perdidos em meu corpo; algum crepúsculo de nossas visões; nosso virtuoso coral ofegante. Mas notei que tudo fora feito com os olhos vendados pelas próprias pálpebras extasiadas de amor.

Estrelas escarlates percorreram nossos lábios quentes e amortecidos, e o desejo de me tresnoitar ao seu lado era o único incapaz de se esconder. Tenho a tutela de cada segundo guardada a sete chaves. A tutela dos segundos inacabados e do próximo ensejo que nos mediará uma inesquecível e cruel tentação perpétua dentro dos corações e dentro da cerne da minha alma.
Meus lábios não estão mais amortecidos.

A lembrança mais impactante dorme no meu pescoço sem vontade de acordar ou sair dalí, com vontade de receber a compania de outra marca irremediável que prove nosso amor à roxas circunferências latejantes.

Will be our secret, ok?

"A tua mão no pescoço, as tuas costas macias"


quinta-feira, 1 de julho de 2010

Só não precisava quebrar a cabeça

Eram dias que não me surpreendiam mais -E sempre foi assim, dentro dos milhões de anos sem mudanças na camada terrestre, até um animal decidir se adequar a um novo ambiente e surpreender com uma nova característica - até me surpreenderem novamente.

Nessa manhã, que não é fria e não é quente nem tem o canto dos pássaros, notei que observando as perspectivas temos o mesmo resultado, que multiplicando as informações falsas com as verdadeiras, falsas com falsas, verdadeiras com verdadeiras, temos o mesmo simbólico produto. A sociedade acredita no mais fácil, por exemplo: Quando se acusa alguém de assassinato é mais fácil condená-lo a morte ao ficar talvez anos lutando na justiça para descobrir que esse alguém é inocente. Quando se perde uma peça do quebra-cabeça, joga-se fora (ou larga-se no canto esquecido da prateleira pouco visitada) pois algo diz que nunca mais estará completo, sendo que as peças que você ainda tem são as suas possibilidades de completá-lo. Se os olhos estão vermelhos e a voz aveludada e fácil deixar de lado a cadência carregada da semana passada, a friagem tomada na viagem, os lacônicos momentos de histeria, e acusar com ironia de drogado.

Existe uma verdade perfeita e sempre evasiva. Essa verdade perfeita é a única que se perde por querer, pelos acusados e pelos que acusam, satirizam, desfazem, ou algo do tipo.

É como o trânsito, o horário de pico, a chuva, e o local em que se quer chegar: Desde de que se sai do ponto zero foca-se o local em que se quer chegar. O transito, horário de pico e chuva apenas diminuem a velocidade e a vontade talvez, mas o foco é o mesmo. Como quando se crê na verdade que as opiniões lhe desenham.