domingo, 27 de junho de 2010

à dois, sem dois

Notei que faziam anos que não via o céu tão estrelado ao ponto de poder até me perder ao procurar constelações. Ainda com isso dormi plangente.
O Sol não me fez diferença, nem a Lua, nem a fogueira nem nada. Parecia que o orvalho escorrendo das árvores não existia, muito menos os resquícios de cinzas dos troncos queimados, as corolas das flores não emocionavam mais, a estrada tinha início e fim. Tinha que haver um entrave.

O entrave era sentar sozinho no balanço, arrumar a cama sem me preocupar com ninguém, dar as mãos ao braço do violão, beijar o frio palpitante e enluarado, ouvir a sua voz velada pelo vento vindo de longe ou da imaginação.
Tarefas que são feitas à dois.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Rasuras em espiral

"O tempo está passando, e sobre ele é impossível discorrer sem falhas, sem parar na primavera ou perpetuar nas noites frescas de junho. Está passando. E carrega a carga do tempo passado, a saudade do tempo vivido, e nada no que virá. O tempo está passando no mundo subterrâneo e nessa cidade sem Sol."

Deve haver um engano, não sei. Tem de haver um engano.
Se não houver terei de reunir os enganos que já houveram para construir um outro. Terei que criar ou extrair de algum lugar, mentir para alguém ou combinar para que me enganem. - Se não houver um engano talvez esse problema não exista, ou o problema seja por já termos nos enganado sem mensura, nos enganando dentro de algum engano e se acostumando a isso tudo.

Aos leitores - mesmo os que tenham a maior percepção, iluminação ou seja um perito em espiritualismo - que se enganam comigo.

-Garnel

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Assaz

Um dia - era dezembro, o mês que é interstício final entre o primeiro e último dia do ano - gélido, por sinal, como tudo que me recorda coisas vivas. Eis me ali, debruçado no leito da noite, como se tatuado na paisagem nebulosa da cidade grande, inerme para a tez rosada daquelas bochechas, para os passos impactantes e sem rumo da dona dos mais preciosos lábios.

Me derramei simplesmente, na poesia tresnoitada dos olhos avermelhados que encontrei por acaso e não muito por acaso trancafio como se lacrados. Perdi-me como se fosse a primeira vez em que vi fechar as pálpebras e concordar à pálpebras fechadas dissipando nosso amor.

Hoje - Junho; absorto - são seis meses exatos que distam dezembro. E de hoje para mim, não haverá mais nada que seja apto a distar o tempo em relação a nada.

"Beijei-a: eu sentia a vida que se me evaporava nos teus lábios [...]"


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Quarto de espelhos

Se fosse para descrever com vigor a urgência do que é abolir todas as horas de ausência, me perderia como aqueles cães da cidade que fitam os frangos assados ou como peixes que se perdem do fluxo dos peixes e desvendam o mar como procedimento da morte. Iria variar sem querer, de forma descontínua, as horas dos cafés, que não me canso de queimar.

Meu raciocínio seria o tal: suceder as minhas falas com um "meu caro" de inefáveis sentidos, incontáveis deles. Seria para um monólogo e uma carta que nas duas faces apresente o mesmo endereço, mesmo nome, que nas duas faces seja a mesma carta, leitor e escritor sejam a mesma pessoa.

Descreveria a estratosfera, em suma, tornando-a de um exorbitante negro sem fim a um arabesco rabiscado. Em proporções, comparado com dois olhos simplesmente, negros e enternecedores, talvez vastos como o infinito da estratosfera, ou curtos e fechados como o infinito de divisões dentro de um grão de areia, irritando os olhos que são também infinitos. E tudo é infinito, inclusive a ausência que não existe, por cada ser ser infinito, tendo em si a companhia auto-suficiente e nunca mais só, e se só, acompanhado de um pedaço de si.

"Se fosse para descrever com vigor a urgência do que é abolir todas as horas de ausência, me descreveria como aqueles cães ou aqueles peixes do início, me fragmentária em partículas até me tornar inexistente aos olhos humanos"

-Garnel

terça-feira, 8 de junho de 2010



" Eu imagino que durante a noite tudo deve ser tão brilhante por aí, creio que mal consegue parar de piscar devido as fortes luzes que a Torre cintila, mal consegue lembrar do que deixou um dia.
Na mesma proporção de suas luzes creio que estou, porém em trevas, graças a sua abstinência que me arde e dói ao mesmo tempo, que me queima e faz de mim, eu mesmo. Sem você. [...]"

domingo, 6 de junho de 2010

Epístola pra França

"Bom dia ou boa tarde,
pois creio que os carteiros por aí não trabalham durante a noite, como em nenhum lugar fazem. E não sei o horário que lhe será entregue essa carta que fiz por fazer enquanto lamentava as horas sem você e via a praça vazia sem teu brilho, enquanto eu espargia meu corpo sobre a cadeira e apoiava os cotovelos sobre a escrivaninha empoeirada de tanto tempo sem uso.

Temos um oceano e alguns países de distância, nada que como tudo que fizemos, possamos superar ainda juntos. Com a separação física cravada como uma nódoa causado por um trauma de infância, a saudade fatigando os minutos acordados, tua ausência acometendo meu edifício já estilhaçado, fica mais fácil te escrever do que quando te tenho ao meu lado, cálida de amor, vibrante como sempre. Espero que tua fonética seja a mesma quando voltar, que sua língua raramente enrosque enquanto fala, como sempre, te tornando a mesma, sem precisar tornar nada. Não imagina o que é passar na sua rua sabendo que por tempos não é mais sua, sabendo que pode ser sua mais você pode não ser mais a mesma. Consigo ver as lágrimas que molharão esse papel enquanto ler, juro que consigo, e digo:

-Não chore jamais pela minha espécie que não te é digna, pois mesmo sabendo que a tua é, não choro, de tão sem dignidade que é a minha alma.- E tenho certeza que não choro por não haver mais nada dentro de mim senão o opaco que tua falta me faz, senão o vazio, o vão do tempo e do espaço, e entro em contradição com minha própria palavra, que é a tua saudade. E agora, pela primeira vez soube o que fazer para dizer algo, para expressar algo, sem errar, talvez.

E te juro Gabriela, com todas as forças que ainda me restam para jurar, que o tempo para mim parou no derradeiro sentir da tua carne macia.

Do ainda seu
Felipe."

Talvez um dia precise de algo do tipo, sem refugar palavras.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Simples

Não sei se é nítido, mas tudo que escrevo acaba - algumas vezes sem intenção - se derramando numa ordinária sequência. As mesmas coisas ditas de maneiras pluriformes, sem início, com fim. Descartando as prosas românticas que me dão pouco trabalho, e uma qualidade não lá muito comovente em relação ao meu próprio censo crítico. Seria mais um desabafo, mais não me agrado desse termo tão usado dentro dos fins de relacionamentos, quando as mulheres choram para outras mulheres ou para seus amigos efeminados, também meio mulheres, e falam o que entope suas glotes rasgadas de tanto soluço. Ou seria para fugir de minhas próprias broncas, me regularizar dentro dos meus padrões limitados de talentos, de palavras, limitados de tudo.

Quando percebo que cesso minha fome é porque estou dentro da mesma sequência mais uma vez. Entro sem perceber, falta de criatividade, necessidade, independe. E creio que já estou na mesma novamente, como quando um velho te pára para contar histórias de sua infância na roça, de sua avó muito tetuda e de seus almoços as 10:00 da manhã. Essa deve ser minha marca, a característica singular que cada amante recebe dos céus, minha aparência crua que não tive escola ao ganhar.

E um dia, hoje mesmo, minutos atrás, eu descobrira que a beleza da escrita está na simplicidade das linhas, no amor pelo que se lê e se escreve, e ponderei nessa desculpa esfarrapada que testifiquei acima sem dizer nenhuma verdade pra mim mesmo, nem para quem me lê. Descobri que as palavras são mais compreendidas na ausência do erudito, e que juntando todos esse fatos têm-se um arsenal para publicar um livro, um dentro dos cinco mil que surge a cada dia. Tem-se um exército armado até os dentes para defender com poucos versos a idéia, por mais mal formada que seja, de alguém que pratica o complexo sem primeiro testar o casual.

Fácil também é citar nomes, só citá-los para que venham em mente rostos, conhecidos e portadores desses nomes. Mas creio que além de mim, poucos fazem. Simples é amar, vidrar-se em olhos que ninguém mais vê da mesma forma além de quem os ama. Eu como exemplo: vejo os olhos comuns como duas gotas, sempre iluminadas que escorrem dos cabelos para esconder o interior da cabeça, esconder a parte nojenta e não deixar vazar a massa cefálica para fora do rosto, como uma cortina serve para uma sala de estar. Mas quando se ama essa cortina, esses olhos, tudo se transforma em Marizas, Marias, Cecílias, Beatrizes, Elzas, Castanas, Matildes, tranformam-se em Gabrielas. E as imagens todas me vieram a mente. Amar é facil, simples melhor dizendo.

Seguir o relógio é um ótimo exemplo, pois as horas passam, simplesmente passam, e não há anos, sonho, droga, mares ou qualquer coisa que impossibilite ou seja um entrave no caminho. O tempo é simples e se repete todos os dias. 24 vezes por dia, 60 vezes por hora, 60 vezes por minuto. Continue a quebra de quiser, agora não tenho tempo.

Simples também é conversar sozinho, pois nessa solidão as coisas vem à tona e a graça indizível de viver consta em não ter ninguém para contar seus raciocínios. E talvez isso dê sequência ao meu início e esse seja o problema, talvez não tenha mentido quando expus-me, talvéz. E talvéz tantas outras coisas que me vem quando estou só. Talvez o mundo não precise mais de mim, talvez. Talvez não haja solidão e seja só um sentimento a parte. E tenho que dizer que não me sinto só.

Talvez nada seja simples como parece pois tudo me parece simples demais. A vida tão maldita por muitos me soa simples, e a morte ainda mais. O algodão nos orifícios, o banho que durará a eternidade, toda essa vaidade pós-morte me parece simples.

Escrever coisas sem sentido me parece simples, que sei que faço sempre que por algum motivo decido escrever sem simplicidade.